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sexta-feira, abril 17, 2009

Dez anos da famosa safra brasileira de 1999

Há exatos dez anos, os viticultores da Serra Gaúcha tinham uma safra histórica. Choveu menos do que o usual no período crítico de maturação das parreiras, entre dezembro e março, e a vindima de 1999 foi realmente boa, sobretudo para as uvas finas de amadurecimento precoce (Chardonnay, Gewurztraminer e Pinot Noir) e tardio (Cabernet Sauvignon e Moscato Branco). Para as variedades de maturação intermediária, como Merlot e Riesling Itálico, colhidas entre a segunda quinzena de janeiro e meados de fevereiro, o tempo não se manteve tão quente e ensolarado, e o resultado foi menos exuberante, embora não tenha sido ruim. Conforme resumiu num comunicado técnico o pesquisador Francisco Mandelli, da Embrapa Uva e Vinho, de Bento Gonçalves (RS), "de um modo geral, o fenômeno La Niña, que causou prejuízos a outras culturas no Rio Grande do Sul, favoreceu a qualidade e a sanidade da uva da safra de 1999". Em todo o estado, foram colhidas quase 59 mil toneladas de uvas viníferas, cerca de 20% a mais do que no ano anterior.

Mas não foi apenas devido a fatores meteorológicos favoráveis que essa colheita pode ser apontada hoje como um divisor de águas, um marco, na história do vinho brasileiro. Afinal, do ponto de vista estritamente climatológico, a vindima de 1991 foi até superior à de 1999. Só que no final da década passada o cenário interno reunia uma série de condições mais animadoras do que oito anos antes: surgia ou começava a se firmar no mercado uma nova geração de produtores nacionais comprometida com a busca da qualidade, dotados de modernas instalações para elaborar vinhos e sobretudo dispostos a investir num melhor manejo dos vinhedos; a (amalucada) abertura das importações, promovida pelo governo Fernando Collor de Mello no início dos anos 1990, fez o consumidor se interessar por vinhos em geral, inclusive o nacional, que teve de melhorar em razão da concorrência estrangeira; os meios de comunicação e formadores de opinião começaram a valorizar os fermentados de uva em suas reportagens e discussões.

Ou seja, havia um novo contexto cultural e econômico que deu à boa safra de 1999 uma visibilidade provavelmente sem precedentes, tirando da sombra o movimento até então silencioso de renovação e modernização que a vitivinicultura nacional vinha ensaiando já há alguns anos. "Desde os anos 1970, temos relatos de algumas boas safras na região, mas que não se tornaram tão conhecidas porque não havia toda essa badalação", comenta o pesquisador Celito Guerra, também da Embrapa Uva e Vinho. Para o enólogo Luís Henrique Zanini, da Vallontano, vinícola do Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, que elaborou os primeiros vinhos da empresa apenas na safra seguinte (no ano 2000), os tintos da colheita 1999 foram os primeiros rótulos nacionais a realmente vencer a desconfiança das pessoas com os produtos elaborados no Brasil. "Além disso, nessa época os próprios enólogos, que no início dos anos 1990 deram muita ênfase a aspectos técnicos da profissão e na aquisição de tecnologia para as vinícolas, passaram a trabalhar com mais cuidado a uva nos vinhedos", afirma Zanini.

A história recente de algumas vinícolas bem-sucedidas da Serra Gaúcha ilustra algumas das mudanças ocorridas no setor desde a famosa safra de 1999, como publicarei a seguir.
Esta matéria foi originalmente publicada na edição de abril de 2009 da revista Bon Vivant e em 19/04/2009 no jornaldovinho.