Frequentemente, quando visito um produtor, ouço-o dizer que só utiliza leveduras indígenas para a fermentação espontânea dos mostos. Daqui se depreende que essas são melhores e que “nesta casa só se trabalha com seriedade”. Como o tema se presta a equívocos e é mais um que enche a pobre cabeça dos winefreaks, sempre mais preocupados em gostar de tudo o que está fora do baralho, vale a pena pensar um pouco no assunto.
As leveduras são microrganismos que existem no ambiente e que se depositam na parte exterior dos bagos de uva. Há muitas variedades, umas boas, outras más. Para se ter uma ideia, a equipa técnica da Sogrape já isolou nas suas propriedades em várias zonas do país mais de 720 estirpes de leveduras. São estas leveduras que irão transformar o açúcar das uvas em álcool, durante um processo a que chamamos fermentação. Atualmente, usam-se, por norma, leveduras que foram selecionadas em laboratório.
Desta forma garante-se uma fermentação sem riscos, sem que se gerem maus aromas ou problemas de acidez volátil. Estas “selecionadas” seriam como que as más da fita, as que carregam a marca industrial que perturba os amantes dos vinhos naturais, dos vinhos da terra e por aí fora. Mais uma confusão. As leveduras podem ser selecionadas e serem da região.
Foi isso que se fez no Dão (tintos) com uma levedura que não retira cor aos tintos (o que acontece com outras), nos vinhos verdes (brancos) e na Bairrada (brancos). Há leveduras dessas regiões comercializadas pela Proenol, uma empresa portuguesa líder no mercado. A levedura QA 23 (as letras remetem para a Quinta de Azevedo, onde o estudo foi feito) está atualmente no top 10 mundial para vinhos brancos. Porquê? Porque não induz aromas e dessa forma permite que os aromas naturais das castas e da região melhor se exprimam.
A Quinta dos Carvalhais já isolou duas para uso próprio, e o Colheita branco é feito com uma delas. Assim sendo, estamos a falar de leveduras selecionadas, ainda que dentro da própria região, o que faz todo o sentido. A dicotomia será então entre fermentação espontânea (com as leveduras que vêm com as uvas) e fermentação com leveduras selecionadas. De novo se coloca a questão de apenas ao pequeno produtor ser permitido correr os riscos da fermentação espontânea (arranque tardio, paragem da fermentação, não desdobramento de todo o açúcar, ácido acético, etc.); tudo pode correr bem, mas há uma forte probabilidade de acabar mal, risco que a maior parte dos produtores prefere não correr. Curiosamente, ainda não existe, pelo menos comercializada, uma levedura para o vinho do Porto. Já houve várias tentativas, mas os estudos foram inconclusivos. Quer António Graça (Sogrape) quer Maria de Fátima Teixeira (Proenol) nos confirmaram isto. Neste como noutros temas do campo da microbiologia, os esforços continuam, e Portugal, Espanha e França são os países onde esses estudos mais se têm desenvolvido.
João Paulo Martins
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