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sexta-feira, junho 19, 2009

Quem não bebe não treme

Publicado por Mauricio Tagliari no blog www.maisumgole.worldpress.com

Há um tipo de leitor que não espero por aqui: o abstêmio. Falar de bebida para um abstêmio é como pregar para um ateu. Perda de tempo para quem escreve e para quem lê. Abstêmios e ateus são inconversíveis. Falo pois sei. Sou ateu. Mas, graças a deus, os abstêmios são minoria.

A bebida alcoólica existe desde que o homem teve competência para produzi-la. É parte da cultura da grande maioria dos povos. E assim como as pessoas que bebem se dividem em uma gama de moderados a exagerados, culturalmente os povos parece também se dividirem de maneira parecida. Povos beberrões, como russos e escoceses, e povos mais moderados, como franceses e italianos, são estereótipos bem conhecidos. Assim como também há bebedores de destilados e de fermentados. E todas as subdivisões possíveis. Bebedores de cerveja ou de vinho. De cachaça ou de vodca, etc.

Lendo jornal esta semana pensei o quanto a maneira como uma pessoa bebe influi em sua vida. Não falo das ressacas e faltas ao trabalho ou da lei seca que parece ter sido meio esquecida por motoristas, bares e autoridades. Falo de uma declaração de Caetano Veloso em entrevista sobre o lançamento de seu mais recente CD, zii e zie.

Eu sei, coisas de velho: jornal e CD. Mas prossigamos. Instado a falar sobre drogas, Caetano disse: "Sempre odiei a cocaína. E apenas tolerei o uso de drogas por outras pessoas, mesmo o álcool. Por mim mesmo, só o álcool. Mas nunca me habituei a beber todos os dias. Vinho me faz mal já na primeira taça. E odeio champanhe. Já gostei de vodca e de saquê. Gosto de cerveja, mas só bebo na terça-feira de carnaval".

Tiro daí dois pensamentos.

O primeiro é que, dado o depoimento, podemos concluir que Caetano é um bebedor moderabilíssimo. Diferente de seu colega, Chico Buarque, citado por ele na mesma entrevista. Este passou os melhores anos de sua carreira pública de cantor e compositor em meio a muita bebida. Na melhor escola Vinicius de Moraes.

E como isso teria afetado a obra dos dois insignes músicos? De minha parte gosto dos dois. Já ouvi, toquei e cantei muito de ambos.

Empiricamente, tenho pra mim que a obra de Caetano é mais apolínea e a de Chico Buarque, mais dionisíaca. Caetano se diverte com as palavras num jogo de relações mais racionais. Típica de alguém sóbrio. Mesmo quando parece discursar automaticamente atrás do som puro (panaméricas de áfricas utópicas...), está sempre em busca de um sentido lógico (...túmulo do samba mas possível novo quilombo de zumbi).

Já Chico, nos seus melhores momentos, sinaliza para uma busca menos experimental, porém mais comprometida apenas com a emoção de seus personagens, sejam eles prostitutas, malandros ou a mãe do pivete morto.

Mesmo como observador mais ou menos isento, ele descreve a partir de algo da empatia de quem, seguindo o conselho de Humphrey Bogart, já tomou a terceira dose para suportar o mundo. Quando cantarolo algo do Caetano me sinto inteligente. Quando canto algo do Chico me sinto mais com os pés no chão. Claro que falo em linhas gerais. Há exceções para os dois lados.

Mas e o segundo pensamento? Bem, que vinho seria esse que faz mal já na primeira taça ao poeta baiano? Que champanhes teria ele tomado para odiar a bebida tanto assim? E em quais situações teria ele apreciado vodca e saquê? Para ajudá-lo, tenho a dizer que, se o efeito do vinho for dor de cabeça, a solução é fugir dos vinhos que alertam para o fato de conter anidrido sulfuroso.
Há provas de que algumas pessoas alérgicas podem ter este sintoma ao ingerir vinhos que usem este conservante. Mas hoje, com a onda de vinhos de cultivo biodinâmico, ele poderia degustar mais de uma taça de tintos e brancos deliciosos. Como o branco alsaciano Deiss Alsace 2006 (Domaine Marcel Deiss).

Um vinho cultivado sem intervenções químicas e que representa muito bem o terroir de onde vem, por módicos R$69,64 (www.mistral.com.br), por exemplo. Ou então o tinto Château Le Puy 2001 (www.worldwine.com.br), um corte de Merlot 85%, cabernet sauvignon 14% e carmenére 1%, que é verdadeiro ícone dos vinhos orgânicos em Bordeaux, pelo valor um pouco mais salgado de R$ 179.

Tenho certeza de que, bebendo com moderação, nenhum dos dois deixará ninguém com dor de cabeça.

E agora me pergunto. Teria Caetano se contido menos? Teria sido menos épico e mais lírico? Teria ele cantado "eu bebo, sim", como Elizeth Cardoso, se tivesse conhecido vinhos como esses antes?

Por sorte, Caetano, ainda há tempo de descobrir.

Mauricio Tagliari é compositor e produtor musical. Sócio da ybmusic, escreve sobre música e bebidas no blog www.maisumgole.wordpress.com e sobre música no http://ybmusica.blogspot.com. É co-autor do Dicionário do Vinho Tagliari e Campos.

6 comentários:

mauricio disse...

muito me honra ser citado no seu blog. abs.

Paulo Nicolay disse...

Olá Maurício !

Eu que fico honrado por esta excelente matéria !

Parabéns!
Paulo Nicolay

Juliano disse...

E agora? temos que descordar... Agora podemos falar de vinhos com Abstêmios. Pois A José Maria da Fonseca (JMF) lançou o vinho Lancers Rose Free, o primeiro vinho sem álcool a ser, de início, comercializado em Portugal.

Paulo Nicolay disse...

É verdade !!!
Mas será que vai criar uma nova classe de enófilos ??

Juliano disse...

Ao ver deste ponto, sim, acredito que é um bom passo para se ter início a uma nova classe de enófilos!!! Pois, até já parece que estou ouvindo num futuro próximo, alguns dizerem: "Olá??? Sou fulano de tal, enoabstênófilo!!! rsrsrsr...

Juliano Rodrigues disse...

Ao ver deste ponto, sim, acredito que é um bom passo para se ter início a uma nova classe de enófilos!!! Pois, até já parece que estou ouvindo num futuro próximo, alguns dizerem: "Olá??? Sou fulano de tal, enoabstênófilo!!! rsrsrsr...