Nunca me senti tão esperta quanto nos quatro dias que passei no Uruguai durante o Salão Internacional de Vinho e Gastronomia, do Mantra Resort de Punta del Este, em agosto. "A senhora é uma das espertas, não é?", perguntava a recepcionista. "Sim, claro!". O segurança me informava que nós, os espertos, tínhamos direito a uma área reservada dentro do salão. O gerente do hotel fez um agradecimento especial a nós, o grupo internacional de espertos ali reunidos para o Expert Speed Tasting. Não querendo chamar o leitor de pouco esperto, acho bom esclarecer que os uruguaios estavam dizendo "experta", "experto", com "x", que em espanhol quer dizer especialista.
Fiz parte de um grupo de especialistas convidados pelo Bodegas del Uruguay para avaliar o trabalho de algumas das mais importantes vinícolas do país. Na degustação, provamos e comentamos 19 vinhos de diferentes vinícolas. Depois, na feira, degustei mais algumas dezenas. Claro, aprendi muito sobre o vinho uruguaio (veja o post "Vinhos que provei e aprovei"). Mas não só. A oportunidade foi boa também para observar o trabalho dos especialistas, refletir sobre o que é ser esperto quando se trata de vinho e lembrar de alguns pontos básicos. A seguir, algumas observações tiradas desse e de outros eventos:
1. Temperatura faz toda a diferença
Um dos vinhos chegou à nossa mesa (minha, de um jornalista argentino e outro chileno) um pouco frio demais. Parecia sem gosto e sem aroma de nada. Espertos que somos, reparamos que o problema era a temperatura. O consumidor comum, todavia, poderia ter bebido e nem notado. Ficaria apenas com uma impressão de que aquela garrafa era ruim. Conforme foi esquentando, o vinho foi melhorando. No nariz, foram surgindo os aromas e, na boca, foi ganhando corpo. Frio em excesso inibe aromas. No tinto, amarga os taninos. Por outro lado, quando a garrafa está quente demais, o álcool se sobressai, a acidez desaparece, o vinho fica pesado e chato. No post "Na temperatura certa", ensino a quantos graus deve ser servido cada vinho e qual o tempo de balde de gelo para chegar lá.
2. Se quiser apreciar os aromas de um vinho, não use perfume forte
Em degustações profissionais, é regra não usar perfume para não encobrir os aromas do vinho. Ninguém tem como provar se você se encheu de Chanel Nº 5 ou não, mas as pessoas têm nariz, percebem. E pega mal. Na vida normal, essa regra é mais flexível. Mas, se você for a um wine bar ou a qualquer evento em que o vinho seja o centro das atenções, tente evitar perfumes fortes. Mesmo se vai beber sozinho e quer aproveitar ao máximo os aromas do vinho, escolha um perfume pouco intenso.
3. Entre um vinho e outro, nada de lavar a taça com água
É comum as pessoas passarem uma água na taça quando vão trocar de garrafa. Essa não é a melhor solução para se livrar dos aromas do vinho anterior. Além de não funcionar muito bem, pode deixar o vinho seguinte meio aguado. O ideal é avinhar a taça: colocar um pouquinho (bem menos que o da foto) do vinho que você vai beber, girar, fazer ele passar por toda a superfície e, em seguida, dispensar o líquido. Faça isso ao menos quando for mudar de um branco para um tinto.
4. Se sentir um cheiro ruim, espere um pouco, talvez passe
Alguma vez você já abriu uma garrafa de vinho e sentiu um cheiro podre, de enxofre? Certo de que aquilo estava estragado, deixou a garrafa de lado e foi beber outras coisa?. De repente, veio alguém, bebeu o vinho e disse que estava ótimo? Aí você, cheirou, e não é que o desgraçado estava bom mesmo! Horrível, né? Fica parecendo que você não entende nada de vinho e é completamente Maria-vai-com-as-outras. Mas você não está louco. Um vinho pode estar horrível logo que abre e depois ficar bom. Esse mau cheiro pode ser do conservante SO2, enxofre ou algo parecido. Todo vinho leva SO2, ou pelo menos 99,99% deles. Só que em alguns, por razões diferentes, esse enxofre aparece mais quando a garrafa é destampada. É só esperar uns minutinhos que esse cheiro vai embora. Se você esperou 10 minutos e continua cheirando mal, é bem provável que a garrafa esteja contaminada com Brett (uma levedura selvagem) ou esteja bouchonnée (problema da rolha). Aí não há o que fazer a não ser trocar de garrafa. O brett deixa um cheiro de cachorro molhado no vinho, desagradável, mas na maioria das vezes não insuportável. Existe até o brett que é considerado bom, dá um aroma de terra, couro, cogumelos. Já o vinho bouchonné só vai piorando depois de aberto: fica com gosto de parede. Na prova dos vinhos uruguaios, tinha um que estava bouchonné. rodamos, rodamos a taça, e ele só piorava. Não é culpa do produtor. Pode acontecer com qualquer um.
5. Se não sentir cheiro nenhum, insista, o vinho pode estar fechado
Por outro lado, você pode abrir a garrafa, colocar o vinho no copo, dar aquela fungadinha básica e nada! O vinho tem cheiro de coisa nenhuma. Ai começa a tomar e vai achando o vinho uma delícia. Às vezes, essa mudança de opinião pode ser atribuída à bebedeira, mas muitas vezes não. O vinho estava o que a gente chama de fechado e vai se abrindo. Não vamos entrar em detalhes de química, mas o que acontece é uma reação provocada pelo contato com o oxigênio. Se o vinho custou 30 paus e não tem cheiro de nada, é provável que ele continue assim. Mas, se é um vinho um pouco mais caro, mesmo um bordeaux de R$ 50, R$ 60, dê um tempo. Sirva as taças e peça para o pessoal agitar. Lá no grupo de espertos aprendi uma coisa realmente nova. Veio um vinho assim completamente fechado, e o jornalista argentino tapou a boca da taça com a mão e chacoalhou como se fosse uma coqueteleira. A ideia é aumentar o contato com o ar. Eu e o chileno copiamos imediatamente. O vinho realmente abriu e ficou bem melhor. Mas, por favor, só não faça essa feiúra num restaurante e diga que a Tânia Nogueira ensinou!
6. Um vinho não precisa ser perfeito
Há pessoas que têm o rosto todo certinho e, ainda assim, são sem graça. Outras que têm "imperfeições" e são radiantes. Um nariz um pouco maior que o normal, um dente levemente para a frente, uma sobrancelha mais grossa são detalhes que não costumam tirar a beleza de um rosto harmônico. Pelo contrário, muitas vezes, acrescentam personalidade e charme. Com o vinho acontece exatamente a mesma coisa. Tem aquele vinho todo certinho, frutado, taninos redondos, acidez na medida, o álcool não se sobressai, mas, apesar de tudo isso, você toma e no dia seguinte esquece que ele existe. Outros têm um pouco mais de acidez, taninos levemente rugosos, aromas menos fáceis como os animais ou químicos e, sem saber bem por que, você se apaixona. Numa degustação de "espertos", a gente houve frases como: "tem uma rugosidade deliciosa", "essa acidez pronunciada vai ficar ótima com comida" ou "tem aroma de plástico, que delícia!". Não que os "espertos" sejam loucos, é que eles tomam vinho o dia inteiro e muitos se cansam de vinhos com tudo certinho. Querem personalidade. Eu, pelo menos, adoro quando encontro um vinho único, que não é perfeito, mas é uma delícia. Aventure-se com vinhos europeus e logo verá do que estou falando.
7. Seja seu próprio crítico
Exceto atrocidades, não existe vinho ruim ou vinho bom. Existe o vinho que você gosta. Durante a avaliação, como disse, sentei em uma mesa com um jornalista argentino, de Mendoza, e outro chileno, de Santiago. Ambos nasceram tomando vinho e têm bastante experiência. Eu não nasci em nenhuma região produtora, mas tomo vinho há anos. Nem por isso, concordamos em tudo. Por sua vez, um dos vinhos mais criticados na minha mesa, por ter excesso de carvalho, foi o preferido de um especialista brasileiro de outra mesa como fiquei sabendo depois. Experts boa parte das vezes não concordam entre si. Mesmo os mais famosos. Robert Parker dá uma nota para um rótulo, Jancis Robinson dá outra. A revista inglesa Decanter diz uma coisa , a americana Wine Spectador publica o oposto. Você adorar um vinho que eu odeio ou detestar um vinho que eu amo não quer dizer nada. Ouça o que os "espertos" dizem, mas preste mais atenção a seu olfato e seu paladar.
Fonte:Brasil Post
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