A exportação é uma das grandes prioridades nacionais, um imperativo e uma necessidade absoluta para a maioria dos produtores portugueses.
Uma inevitabilidade alimentada não só pela crise económica endémica que teima em não nos largar como uma necessidade criada pela contracção do mercado, contracção anterior ao eclodir da crise e sem ligação directa com a mesma. Bebemos menos vinho hoje que no passado, bebemos com mais moderação, bebemos menos mas melhor, seguindo uma tendência que é transversal a toda a Europa do Sul, à Europa produtora tradicional de vinho.
Por isso a exportação é inevitável, porque a produção aumenta ao mesmo tempo que o mercado nacional se contrai. Desbravar caminho para novos mercados é, pois, mais que um imperativo, uma inevitabilidade. Enquanto uma grande parte da Europa do Sul diminui o consumo, a outra Europa, a do Norte, tradicionalmente menos familiarizado com o vinho, aumenta o consumo e o interesse pelo vinho. O continente americano, não só do Norte como da América latina, mostra igualmente um apetite crescente pelo vinho, tal como parte da Ásia, embora de forma menos pronunciada.
Para conquistar estes mercados é preciso um esforço titânico de promoção, educação e adaptação, viagens frequentes, visitas a importadores e putativos distribuidores, presenças em feiras e eventos e um sem fim de outras solicitações e diligências. Espanha, França, Itália, Alemanha, Áustria, Argentina, Chile, Austrália, África do Sul, Nova Zelândia e uma infinidade de outros países sofrem as mesmas vicissitudes que Portugal procurando os mesmos mercados, disputando o mesmo espaço, os mesmos importadores, as mesmas quotas de mercado nos países de monopólio estatal.
Exportar é uma dificuldade mas encontrar importador, vender o vinho, voltar a receber encomendas e cobrar, sempre um dos momentos mais melindrosos das transacções, são apenas os primeiros dilemas com que o produtor se depara. A outra dificuldade, quase sempre ignorada e frequentemente menosprezada, é o transporte dos vinhos até aos mercados e aos pontos de venda. Temos tendência para esquecer que o vinho é um produto alimentar e que como tal obriga a formas de conservação particulares. Consequentemente, obriga igualmente a condições de transporte que requerem requisitos de temperatura que a maioria das transportadoras não tem nem condições para cumprir nem conhecimentos para implementar.
A maioria dos vinhos são transportados em contentores, quase sempre por via marítima, contentores que salvo raríssimas excepções, e as excepções são mesmo raríssimas, não são climatizados. E mesmo que os contentores fossem climatizados, coisa impraticável pelo preço incomportável, quem poderia garantir que o circuito de refrigeração se mantinha em todos os passos do transporte, desde o embarque até ao desembarque e desalfândega, desde o armazenamento nos entrepostos de importadores, distribuidores e pontos de venda até ao transporte entre os armazéns e os supermercados, garrafeiras ou restauração? E quem garante que em cada um destes pontos de venda os vinhos são bem acondicionados e preservados?
Significa isto que os vinhos chegam ao mercado, sobretudo na exportação, estragados ou impróprios para consumo? Significa que estamos perante um caso de saúde pública? Claro que não, o vinho é extremamente resiliente e capaz de suportar maus tratos, mesmo que consumados de forma mais ou menos contínua. Não se trata, portanto, de um caso de ameaça à saúde pública, mas sim de uma diminuição das propriedades, condicionantes muito mais delicadas e potencialmente mais difíceis de resolver e entender. Significa que, apesar de continuar bebível, e até potencialmente notável, o vinho perdeu muitas das suas qualidades e dos seus predicados iniciais, surgindo diminuído face às qualidades e ao seu perfil original.
Basta beber alguns vinhos portugueses noutros mercados, sobretudo nos países de clima mais quente e extremado e onde a rede de refrigeração é menos cuidada, para sentir as diferenças dos vinhos face aos testemunhos que ficaram em Portugal. Nem todos os vinhos sofrem o mal da mesma forma e alguns vinhos ou estilos viajam com mais facilidade que outros. Os vinhos generosos, por exemplo, vinhos como o Vinho do Porto, Vinho da Madeira ou Moscatel, são mais tenazes e sentem menos as agruras da viagem sobretudo, no caso do Vinho do Porto, os vinhos da família Tawny. Pelo contrário, os vinhos que mais sofrem são os brancos, especialmente os mais delicados, perdendo frequentemente muita da frescura inicial e desbaratando quase todas as subtilezas aromáticas originais, como que envelhecendo anos em escassos meses de vida.
Num mundo ideal, isto não aconteceria e o circuito de frio seria mantido em todos os momentos de viagem ou guarda. Infelizmente, sabemos que vivemos num mundo que está muito longe de ser perfeito. Se formos rigorosos, percebemos que este problema não é exclusivo dos mercados de exportação. Também em Portugal, independentemente de serem garrafeiras especializadas, lojas tradicionais, grandes superfícies, restaurantes ou hotelaria, independentemente de serem armazéns de logística ou carrinhas de distribuição a fazer entregas, se sentem os efeitos da falta de cuidado, a falta de conhecimento sobre as regras de conservação do vinho, ou a falta de incentivo para efectuar investimentos dispendiosos.
Quem sofre directamente com esta realidade somos nós, consumidores e compradores de vinho, bem como os produtores. As pequenas imperfeições que resultam da má conservação do vinho nem sempre são visíveis ou facilmente compreensíveis pelos consumidores que simplesmente, e naturalmente, penalizam o produtor pensando que o vinho “já foi melhor”…
FugasVinhos - Por Rui Falcão
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