"O desconhecimento do enófilo brasileiro em relação aos vinhos
austríacos é enorme". Por Mauricio Tagliari
O apreciador de vinhos brasileiro, devo ter dito antes, é um animal sui generis. Pouco conhece dos vinhos feitos em seu próprio país. Bebe os tintos muito alcoólicos e potentes em dias de calor, sem reclamar. Ao contrário do que ocorre com o cidadão de um país tradicionalmente vinicultor, ele tem acesso a vinhos de praticamente todos os países e muito estilos, mas paga preços que assustam qualquer consumidor de primeiro mundo.
Por questões culturais, tarifárias, geográficas ou mesmo por marketing, depois do grande boom dos "vinhos alemães da garrafa azul", o mercado é, se não dominado, ao menos liderado amplamente pelos vinhos de Chile e Argentina. Os tradicionais gigantes europeus, França, Itália, Portugal e Espanha, buscam recuperar o espaço perdido. O novo mundo, com australianos, sul-africanos, americanos e neo-zelandeses, vem lá atrás na briga.
Mas com tantos rótulos inundando as prateleiras e os sites, até recentemente era raro encontrar vinhos de países com tradição, como Grécia, Hungria e mesmo Alemanha. Uma das lacunas mais sentidas era a dos bons vinhos austríacos. Era possível encontrar um ou outro depois de algum garimpo. Mas o desconhecimento do enófilo brasileiro em relação a esse país é enorme.
Mas eis que, ao que parece, nossos problemas acabaram! Há poucos meses, depois de pesquisas e viagens, Lucila Taninaga e seu sócio Mauricio Rodrigues começaram uma operação interessante: The Special Wineries é a única importadora especializada em vinhos austríacos da América latina. Apoiada pela OWM, organizacão governamental austríaca responsavel por divulgação e incremento de vendas de seus vinhos, traz uma seleção de 70 rótulos de 21 das principais vinícolas desse país que, a nós brasileiros, lembra valsa e torta de chocolate.
Descobrimos com alegria que a maior parte da vitivinicultura austríaca, milenar herdeira dos estabelecimentos romanos, é orgânica ou biodinâmica. Da Áustria, exportam reduzidas quantidades, pois consomem quase tudo que produzem e mais um pouco. A uva mais conhecida da região é a grüner veltiliner. Mas os austríacos produzem também ótimos riesling e uma variedade de cepas autóctones ou quase, como gelber muskateller, sankt laurent (um cruzamento de pinot noir com sabe-se lá), zweitgelt (por sua vez um híbrido de sankt laurent com blaufranckisch) e Samling (outro cruzamento misterioso). Usa as mesmas complicadas nomenclaturas dos vinhos alemães, mas os critérios de qualidade para exportação são ainda mais rígidos.
Os resultados são bons tanto em brancos, rosés e tintos quanto naqueles de sobremesa. Seus brancos de excelente acidez e muito secos fazem sucesso no Japão harmonizando com sushis e sashimis. A terra do sol nascente é o segundo importador (depois dos EUA, é claro) do vinho austríaco. Peguemos alguns exemplos.
O Terrassen Reserve 2009 Loimer (13% de álcool, R$ 109,50 mais IPI), da região de Kamptal, é um varietal de grüner veltiliner 100% biodinâmico, de vinhedo único. Untuoso, encorpado, fresco, com ótima acidez, notas de damasco e um elegante toque mineral, é a solução ideal para o grande desafio de harmonizar aspargos com creme.
O Wenzel Gelber Muskateller 2009 (1% de álcool, R$ 89,50 mais IPI) é outro biodinâmico da região de Burgenland. Seu aroma adocicado e com notas florais e certo herbáceo é surpreendentemente (no sentido positivo) enganador, pois o paladar é seco e ácido. Muito fresco, macio, elegante, com toque mineral bem claro.
O agradável e equilibrado Rosé 2009 da Juris, também da região de Burgenland, feito de Sankt Laurent, é leve, de ótima acidez e com personalidade festiva. Frutado e com alguma especiaria, tem persistência média. Acompanhamento ideal para um carpaccio ou um steak tartar.
Entre os tintos, todos com um caráter muito particular, diferentes das escolas mais tradicionalmente conhecidas por aqui, destaco o Kraxner de Heidi Schrock (13,5% de álcool, R$ 107,50). Biodinâmico de vinhedo antigo e único, com passagem por carvalho austríaco, tem aromas agradáveis de frutas vermelhas e algo de couro. Na boca, a acidez insistente, seu corpo leve, elegante, com especiarias mais fruta, traz um final que me lembrou o de um bom pinot noir. Como todos os vinhos provados, este cresceu muito na harmonização. Neste caso, com o prato mais tradicional da Áustria, um schnitzel de porco (de novo com o difícil aspargo).
É hora de explorar este novo/velho recanto enológico da Europa. Para saber mais, visite www.vinhosdaaustria.com.br
Mauricio Tagliari é compositor e produtor musical. Sócio da ybmusic, escreve sobre música e bebidas no blog www.maisumgole.wordpress.com e sobre música no http://ybmusica.blogspot.com. É co-autor do Dicionário do Vinho Tagliari e Campos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário