A Real Companhia Velha (RCV) está a desenvolver um amplo programa de experimentação vitivinícola, que vai desde o cultivo da vinha à selecção de castas. Assim, aquela que é descendente directa da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, criada pelo Marquês de Pombal em 1756, pretende prevenir um futuro em que as alterações climáticas possam impor condições de cultivo substancialmente mais gravosas.
Esta é uma prática que várias casas durienses estão a seguir desde há vários anos a esta parte, conduzindo experiências com variedades que frequentemente povoam outras latitudes.
A equipa de agrónomos e enólogos que a RCV juntou no que designou Fine Wine Division, pretende ainda melhorar o acompanhamento “das tendências do mercado” ao longo dos anos.
Os resultados foram apresentados numa prova didáctica de castas brancas e tintas, que se realizou nas instalações da empresa em Vila Nova de Gaia e que visou exibir a “riqueza ampelográfica” das variedades plantadas nas suas quintas no Douro, explicou Pedro Silva Reis, presidente da RCV.
No seu conjunto, a empresa possui uma colecção ampelográfica que reúne cerca de 40 variedades plantadas em vinha estreme, ou seja, separada por talhões. A estas acrescem as vinhas antigas, as quais eram plantadas sem qualquer preocupação pela individualidade de cada casta.
Alvarinho nobre
A prova realizada na semana passada, e conduzida pelo enólogo Jorge Moreira, contou com 28 vinhos, muitos dos quais oriundos de castas pouco disseminadas ou mesmo em vias de esquecimento. Algumas poderão até originar novos vinhos varietais. Mas a maioria será direccionada para vinhos de lote.
Entre as “estrelas” em prova estiveram 18 castas brancas, a saber: Alvarinho, Arinto, Boal, Códega, Encruzado, Viosinho, Fernão Pires, Cercial, Verdelho, Touriga Branca, Rabigato, Moscatel Ottonel, Moscatel Roxo, Moscatel Galego, Viognier, Chardonnay, Sauvignon Blanc e Gewürztraminer.
Juntaram-se posteriormente vinhos de 7 castas tintas, algumas com designações bem extravagantes: Malvasia Preta, Cornifesto, Rufete, Touriga Nacional, Alicante Bouschet, Sousão e Tinta Francisca.
Claretes do Douro: A prova da Real Companhia Velha serviu para demonstrar que, em matéria de tintos, a riqueza duriense vai muito para além das castas mais ‘mediáticas’. Rufete, Tinta Francisca, Cornifesto e Sousão (o carregado Vinhão dos vinhos verdes) mostram que há todo um universo a explorar (ou a redescobrir, se preferirem) em matéria de vinhos tintos. E outras foram deixadas de fora, como Bastardo, Tinta Amarela, Mourisco ou Tinta da Barca. Podem mesmo contribuir para reintroduzir estilos de vinhos já esquecidos, na esteira dos claretes de Bordéus, vinhos mais leves, menos calóricos, enfim, vinhos que seguem novas tendências do mercado. Ou, tal como na moda, tendências que se reinventam ciclicamente. Para bem do Douro.
Nas castas brancas, destaque para a Boal: com apetência para produção de vinhos doces ao estilo Late Harvest, dada ao aparecimento da chamada podridão nobre, possui bastante equilíbrio entre acidez e estrutura e potencial para fermentação em madeira.
O Alvarinho, casta tradicional dos vinhos verdes, apresenta no Douro toda a sua nobreza, reforçando a ideia de ser a mais nobre casta branca portuguesa, apta para produzir vinhos mono-varietais em qualquer ponto do país. Aliás, será por essa razão que a Real Companhia Velha dispõe de 19 hectares de Alvarinho plantados na região.
Já a mais centro-europeia Gewürztraminer não esconde, no Douro, toda a sua plenitude e exuberância aromática, floral mas curto de boca. Boa surpresa revelou-se ainda o Moscatel Roxo, típico da zona de Setúbal, onde é feito um vinho generoso de qualidade superior, cuja cor rosada poderia fazer confundir este vinho com um rosé. Boa doçura, nada enjoativa, a mostrar a acidez própria de uma vinha plantada a grandes altitudes.
Notas bastante positivas para o Verdelho, Viosinho, Códega e Fernão Pires. Surpreendente, pela sua acidez cortante, a casta Arinto, uma das mais disseminadas pelo país, poderá constituir um excelente parceiro de lote para outras variedades mais ‘chatas’. Curiosamente, como alguém fez notar, as castas mais gabadas foram precisamente as que não são tradicionais.
No caso dos tintos, mereceram a maior atenção as variedades que caíram em esquecimento, preteridas em favor das chamadas “5 mais” – Tinta Roriz, Touriga Nacional, Tinto Cão, Tinta Barroca e Touriga Franca (das quais apenas a Touriga Nacional esteve em prova, com 2 vinhos).
Por Marc Barros - Porto 24
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