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segunda-feira, outubro 05, 2015
Avaliação Nacional de Vinhos consagra pluralidade de tintos e brancos brasileiros
BENTO GONÇALVES (RS) – Realizada no penúltimo sábado, no coração friozinho da Serra Gaúcha, a 23ª Avaliação Nacional de Vinhos diz muito sobre o paladar culturalmente ampliado do consumidor brasileiro. Num passado nada distante, ainda marcado pelo vinho de garrafão feito com as uvas de mesa trazidas pelos imigrante italianos, nós, blindados pela justificada inocência dos ignorantes, acreditávamos na divisão entre o seco e o suave como forma de distinguir os infantilmente docinhos dos terrivelmente adstringentes.
Agora, sabemos que um bom tinto vai bem além da outrora onipresente cabernet sauvignon. Dos 16 vinhos mais bem cotados pelo exército de avaliadores deste ano, nenhum, isso mesmo, nenhum tinto era feito com a uva símbolo da região francesa de Bordeaux e que deu segurança relativa à expansão da vinicultura pelos países do chamado Novo Mundo há mais de uma década.
Dos tintos destacados, havia amostras de vinhos feitos com as uvas ancelotta (Vinícola Garibaldi), teroldego (Vinícola Monte Rosário), tannat (Vinícola Aurora e outro da Dunamis) e cabernet franc (Vinícola Valmarino), além, claro, de três merlots (Salton, Perini e Miolo), a uva mais consagrada da Serra Gaúcha. Ou seja, o Brasil começa a consolidar um panorama produtivo além dos maniqueísmos mais fáceis do mercado.
“De certa forma, estamos refazendo a tradição de nossos ancestrais, dos nossos avôs imigrantes, experimentando, por exemplo, uvas italianas bem clássicas”, diz o jovem enólogo André Larentis, produtor na vinícola que leva o nome da família nesta parte do Brasil que se comporta como uma versão transatlântica da Borgonha, onde vinho é também questão de sobrenome e pertencimento nas pequenas propriedades familiares.
Esses vinhos desfilaram exuberância e caráter na última Avaliação Nacional de Vinhos, um evento criado em 1993 com o claro objetivo de emular os rituais de consagração típicos na Europa onde, mais que bebida, vinho é questão civilizatória. Aqui, o vinho já tem também seu grande teatro social.
De manhã, centenas de degustadores começavam a chegar, uns com seus melhores ternos, outros cuidadosamente desleixados como a sugerir que vinho precisa de informalidade, ao Pavilhão de Eventos de Bento Gonçalves, a capital não oficial da Serra Gaúcha, onde o Vale dos Vinhedos figura coma primeira região com Denominação de Origem do Brasil – a única, aliás, reconhecida pela União Europeia fora da Europa. À porta, as rainha e princesas do vinho, eleitas a cada vindima, numa festa que serve como espécie de carimbo de renovação para membro da sociedade local.
Para justificar o Instituto Nacional do Vinho e da Associação Nacional de Enologia ao afirmar que temos, ali, a maior degustação do mundo, nada menos que 850 degustadores estavam lá. Jornalistas, produtores e afins, para o ritual de mais de quatro horas de observa a cor + inala os aromas + degusta (e, sim, ninguém deve ficar de pileque antes do fim de uma degustação) e cuspa tudo o que provar para preencher as fichas. Num púlpito na frente do salão, 14 renomados degustadores tecem seus comentários para a audiência. E nem precisa se sentir inferior se não perceber notas aromáticas de “couro de cavalo molhado” num determinando tinto de guarda.
Imperceptível para a maioria, a paleta aromática dos vinhos se baseia, claro, em cheiros concretos, mas também em convenções olfativas do mundinho. Ao lado dos experts, havia também Caio Paduan, um ator iniciante que presta serviços a uma novela ambientada no Rio Grande do Sul dos primeiros vinhedos. Ainda que perceba pouco a diferença entre um tannat e um merlot, uma celebridade midiática sempre lembrará que o vinho também é pop.
Os merlots seguem exuberantes. São, afinal, a cepa que deram ao Vale dos Vinhedos sua D.O., ao lado dos chardonnays para os brancos. Na avaliação, ácidos e frescos, os vinhos base para espumantes comprovam porque o Brasil é pátria de boas borbulhas.
Dos brancos, além dos chardonnay frutados e elegantemente cremosos, aromáticos como os rieslings. Sem esconder a autoridade de quem faz parte de uma civilização com mais de mil anos de vinicultura, o professor da Universidade de Pádova, na Itália, gritava: “Tenham muito orgulho do seu vinho!”. Só faltava o resto do Brasil ouvir. “Agora é menos, mas até uns dois anos atrás, os lojistas nos expulasvam quando chegávamos para oferecer nosso vinho”, diz o vinhateiro José Venturinni, cuja vinícola batizada com seu sobrenome produz um tannat e um chardonnay capazes de refazer os conceitos de qualquer um.
Para driblar as barreiras e impostos, a maior parte dos vinicultores gaúchos encontrou o atalho. “Aceitamos encomendas pelos sites com o mesmo preço com que vendemos aqui”, diz o enólogo Andre Larentis. O frete, se cobrado, costuma sair mais barato que a substitutição tributária capaz de deixar os brasileiros menos acessíveis que os portugueses e chilenos de todo dia.
Fonte: Jornal do Comércio www.jconline.com.br
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